quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Temperatura da água e atividade física



Escrito por Bona

Aqui está outro tema muito controverso em natação, ou em qualquer esporte ou atividade física aquática. De um lado atletas, alunos e praticantes gostam e pedem a água sempre mais quentinha. De outro lado, profissionais e empresários deixando a temperatura sempre um pouco mais baixa, seja por razões fisiológicas, seja por razões econômicas. No meio disso, médicos e fisiologistas tentando fundamentar esta ou aquela posição
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Algumas das turmas mais problemáticas com que convivi como Gerente Operacional eram as das senhorinhas da hidroginástica. Estas adoráveis tiranas (várias delas minhas amigas e algumas até fãs) brigavam bastante comigo, pedindo água de 32º C a toda hora. Por conta disso, mantive vários contatos com médicos meus colegas aqui na EEFEUSP e todos eram unânimes em me dizer para resistir ao assédio delas, pois há pelo menos dois problemas muito comuns que podem ser potencializados pela água muito quente: a pressão baixa, que pode levar a tonturas e até desmaios na hora de sair da água, e as varizes, cujas dilatações podem se agravar.

Bem, não tenho uma palavra pretensiosamente definitiva sobre o assunto. Mas ao longo dos anos pude desenvolver uma classificação que tenta conciliar todos estes aspectos de forma bastante prática e exeqüível, seja em academias (onde militei muitos anos) seja nos clubes e mesmo em águas abertas. Reitero que a concordância com esta classificação não elimina conflitos, principalmente se a academia ou clube dispuser de apenas uma piscina de uso comercial para acolher todos os clientes e tipos de trabalho, mas ajuda a organizar um pouco as coisas. Se houver mais de uma piscina disponível, o ideal é que a maior fique com a temperatura mais baixa e receba o trabalho mais intenso, enquanto que a(s) menor(es) fique(m) com as temperaturas mais altas e acolha(m) os idosos e bebês.

Gostaria, portanto, de compartilhar estas idéias com aqueles que estão chegando ou que estão a pouco tempo no mundo das piscinas.

Distingo claramente cinco faixas de temperatura de água em relação às atividades físicas. Nestas faixas, a utilização dos limites inferiores ou superiores vai depender sobretudo da temperatura ambiente, ou seja, no dia mais quente use o limite inferior, e no dia mais frio, fique com o limite superior.

1ª. Faixa - até 15,5oC (que denomino faixa URSO POLAR): nestas temperaturas são possíveis apenas aquelas atividades físicas mais que radiais, extremas (travessias de lagos no Canadá, mergulhos no gelo para documentários, etc.), e sempre com o uso de roupas isolantes de borracha (neoprene) tipo Longjohn: pernas e mangas longas e espessura 5/3 (5 mm no peito e 3 mm nas mangas). Mesmo assim, os riscos de hipotermias são bastante altos e recomenda-se monitoramento médico severo. Com temperatura abaixo de 15º C, o uso da roupa de borracha é obrigatório em todas as categorias no Troféu Brasil de Triathlon (Cap. II, item 7)
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2ª. Faixa – de 16oC a 24oC (chamo de faixa RADICAL): nesta faixa a FINA já permite oficialmente provas ditas de Águas Abertas (Regra OWS 5.5) e esportes radicais como o surf, windsurk, katesurk, bodybording e mergulho são plenamente possíveis, desde que praticados com as roupas de borracha adequadas. A orientação é a seguinte: shortjohn de mangas e bainhas curtas, com espessura de 2 mm de neoprene é apropriado para águas mais quentes, como 20°C. Springsuit: espessura de 3/2 mm de neoprene (o primeiro número é a espessura do peito, e o segundo das mangas) e é apropriado para águas com temperaturas entre 18-23°C, podendo ter mangas e bainhas curtas ou longas. Longjohn (mangas e bainhas longas) se a temperatura da água é de 18°C ou menos, com espessuras de 4/3 e 5/3.
No regulamento do Troféu Brasil de Triathlon, o uso de roupa de borracha para atletas amadores e elite amador a partir de 25 anos é liberado, independente da temperatura da água. Para os atletas profissionais e elite amador de 15 a 24 anos só é liberado o uso de roupa de borracha quando a temperatura da água estiver 21ºC ou abaixo. (Cap. II, itens 5 e 6).

3ª. Faixa – de 25oC a 28oC (faixa ATLETA): esta é a banda de variação que, segundo a regra FR 2.11 da FINA, as piscinas oficiais devem apresentar em suas águas. Nestas condições são possíveis competições oficiais e extra-oficiais de Natação, Saltos Ornamentais, Pólo Aquático e nado Sincronizado, assim como treinamentos avançados destes desportos aquáticos. Aulas somente para alunos adolescentes ou adultos jovens, e mesmo assim em turmas de aprendizado avançado ou aperfeiçoamento. A Hidroginástica também somente é recomendável para turmas mais jovens e avançadas, cujos instrutores consigam imprimir um ritmo mais forte de aula. Deficientes, só se for para atletas competitivos grávidas só se for o caso de ex-atletas e, mesmo assim, preferencialmente nos dias mais quentes
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4ª. Faixa – de 29ºC a 30ºC (faixa ALUNO): é a faixa de ouro de toda academia ou curso de Natação em geral. Nesta faixa se encaixarão 95% de todas as atividades aquáticas de uma piscina comercial, ou seja, todo o aprendizado da Natação em todos os níveis e idades acima de 2 anos, toda a hidroginástica, incluindo as grávidas (elas vão reclamar, mas o jeito é agüentar), atividades alternativas como cursos de surf e mergulho, e mesmo outras mais ocasionais como hidro axé, hidro circuito, etc. Mesmo se a academia desenvolver turmas especiais para deficientes físicos, eles poderão usufruir bem destas temperaturas desde que mantenham preservada boa mobilidade corporal para as aulas
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5ª. Faixa – de 31ºC a 32ºC (faixa BEBÊ): também conhecida carinhosamente como sopa de aluno, esta faixa de temperaturas mais altas ficam reservadas para: bebês de até 2 anos (também conhecidos como Bebês I), hidroterapia, quando houver e para os deficientes físicos mais comprometidos em termos de movimentação espontânea. Lembro que, nestas condições térmicas, o tratamento químico deve ser bastante rigoroso, com aferições três vezes ao dia de cloro e pH e acompanhamento de profissional devidamente habilitado.

De qualquer forma, para a efetiva redução dos conflitos e de reivindicações descabidas, recomendo sempre um trabalho constante de informação e conscientização dos alunos, além do uso de um termômetro deixado permanentemente amarrado à escadinha e mergulhado na água da piscina.

Mesmo assim, lembro-me bem que numa das academias onde trabalhei muitos anos, os alunos, por nunca acreditarem na temperatura mostrada, me diziam que o termômetro havia sido comprado na Casa das Mágicas. Fazer o quê?